dezembro 28, 2005

Nos olhos...


A criança educadamente chora para si mesma. Não se ouve um ruído mas chora só porque é educado fazê-lo no silêncio. Diante de si os olhos claros sorridentes no sofrimento mas atentos ao carinho que os seus cabelos brancos podem ainda nutrir. A criança descobre o mundo e o mundo é senão ela mesma colocada num espaço próprio inapropriado a si mesma. Olha em seu redor e experencia a habilidade de sonhar devagarinho. Sonhar devagarinho, porque alguém lhe disse que se corresse depressa iria cair. Chama o cão. O cão, cor de chama, corre em direcção à criança. Tem os olhos meigos sorridentes no sofrimento do negro brilhante e fulgurante no instar que o seu pêlo macio pode ainda acalentar...

dezembro 20, 2005

Insónia

Sonolências estranhas a angariar futuros sem seiva amarrados à desconcentração absoluta e total.

dezembro 13, 2005

The bride



It starts in my belly
Then up to my heart
Into my mouth
I can’t keep it shut
Do you recognize the smell
Is that how you tell
Us apart
I fool myself
To sleep and dream
Nobody’s there
No-one but me
So cool
You’re hardly there
Why can’t this be killing you
Frankenstein would want your mind
Your lovely head
Your lovely head

Goldfrapp

Ab Nortem

... Cirílico. O termo em si ofuscava-lhe a garganta de palavrões inimagináveis. Recostou-se junto à face do pontão que a abraçava... debaixo de si, nas estrias de madeira, roçava um tremer de ondas mansinho. Via-se a catedral dos pássaros mesmo ao fundo. Ou seriam morcegos inventando espirais em torno das vidraças... não eram senão gaivotas e gaviões que se afoitavam calmos pela insegurança da noite ainda a começar a acordar. Representando um sorriso de agonia, encheu-se de uma felicidade suprema marcada pela voz delével do olhar pairado no infinito azul, além-ondas...

novembro 29, 2005

De um lado da sala...



De um lado da sala estava a ausência da chuva. Um corpo reclinado no sofá ansioso pela manhã a fim de poder dormir. Abraçava a chávena de café borbulhante como se de uma criança frágil se tratasse e no tédio citadino ouvia as asas das pombas a fumegarem sombras estranhas no tecto de iluminação quase azul. Tinha nascido há quase um século e deitara-se no aconchegar murcho de poder vivenciar a intensidade proscrita daquilo a que chamavam juventude. O quadro na parede eram linhas direitas. O acre do café inadoçado amargava-lhe o olhar. Olhar meigo, redondo, negro... tão negro duma profundidade mística de cais abandonado... O telefone tocou. Ouviu uma pausa. Tocara uma só vez. Sentia um calafrio... os seios mimosos acariciavam-se mutuamente em nudez de segredos não revelados nesse afago. Estaria pronta a enfrentar a campainha grítica daquele sem fios a incendiar-lhe a curiosidade? Resolveu adormecer antes que fosse manhã. Resolveu sonhar antes que fosse tarde e resolveu acordar para mais uma noite de insónia abraçada ao fulminar vital.
Do outro lado da sala chovia. Um[...]

Lucidez

"- Dá-me a tua mão. Porque não sei mais do que estou falando. Acho que inventei tudo, nada disso existiu! Mas se inventei o que ontem me aconteceu - quem me garante que também não inventei toda a minha vida anterior a ontem?"
Clarice Lispector

Clarice


"Falta muito a contar. Mas há alguma coisa que será indispensável dizer.[...] É que não contei tudo."

in A Paixão segundo G.H
Clarice Lispector