julho 31, 2006

Susurro...

foto: Angélica
A distância onde me deito
São estes lençóis que falam
São esta espera sandia que em mim cresce
E por onde se estende o olhar
O ruminar de meu corpo
O ranger de meus dentes
Os açoites desmesurados no luar fugidio
São as estrelas que caminham
São as flores semi-nuas
Por onde flutuo e esvoaço
São estas ondas meninas
São estes montes descobertos
A brisa do sorriso
A ternura do arrepio capilar
E as vozes pequeninas do mundo
E as vozes pequeninas do sonho
E as vozes pequeninas a assomarem
A prescreverem a luz...
E se esta distância onde me deito
É colo da minha quimera
Que se encurte a vista
Que se salve o sonho multicor
E a cegueira me absorva...
Essa distância onde me deito...
Esse peito meu ofegante....
Seja não mais nunca distante
E me permita ancorar...

julho 29, 2006

Salpicos

Foto: João Azevedo

A banheira tinha água...
Pouca... lenta...
A espuma a esbocejar no corpo
O veio surdino da porta a bater
Bem dentro do peito...
Vapor sudorífero
Nádega plasma
Gestos nenúfar
E mergulho de olhos
A banheira tem água...
Muita... voraz...
O sossego da alma
Em bolha de sabão
Nem mesmo a correria
Nem mesmo o silêncio
Quebrarão o esse mesmo
Da inconstante jarra líquida
Do banhar-me...

julho 26, 2006

Amanheço

foto: ABrito

Despertei plena...
Braços cruzados no ventre
Lábios rasgados pela sede saciada
Julguei-me sentada a teu colo
Castigo...
Castigo sôfrego...
De teu julgamento...
Não existiam rostos
Não existiam mãos
Não existiam olhos
Apenas a luz...
A luz intra-corpo
A luz intra-sonho
A luz...
A luz...
A penetrar...
A balouçar
Salvação máxima
Alcançada pela pena cumprida
De te ter...
De nos termos...
De despertar e ver o espelho-água
Gritando às ondas o sorriso dessa entrega...


julho 25, 2006

Lúcida

foto: Iva Silva

Sento-me num corredor nú
Arrefeço-me...
E aperto em mim a gratidão
A palavra humilde do ente efémero
Onde voo
Onde me sento
É meigo
É plácido e cálido
Sóror seria indiferente
Mater...
Mater intra-corredor...
Sento-me...
Agudizo-me...
Sento-me...
E é berço a minha alma
Êxtase perpendicular à faceta bípede das mãos do olhar
a percorrer...de fundo
ao fundo...
O corredor...
Imóvel...
Desnecessário mover-me...
Cinzelo um caminho assomado de nevoeiro
Pela poeira calma do caminhar de olhos...
É gelo...
E bem dentro o sorrir
A agradecer...

julho 15, 2006

Véus...

foto: Ronaldo Ramos
As borboletas vagueavam pela casa. Apoderaram-se dela. Sem qualquer outro sentido sobrevoavam o quarto onde restavam retalhos de jornal a cobrir o chão, restos de tintas multicor coladas ao inverso das latas que flutuavam... a sala guardava pedaços de roupa dispersos pelas cadeiras e uma ou outra chávena vazia no tédio... o sol emanava a claridade disforme de as fazer planar úmbrias em três, quatro ou seis rasgos de asa. Eu sentei-me na flor. Macias, as pétalas, exalavam um sabor requintado de perfume fresco acabado de absorver o rectilíneo frescor nocturno. Dei por mim nua. Perguntei ao rapaz da porta se aquela jarra era de cristal e num afago gestual acenou-me que sim. Comprei-a trouxe-a para ali junto das laranjeiras carregadas pelas flores transmutadas em fruto. O pomar esguio, lesto e abafado pelo calor do verão recolhia-me a casa. Nem a água da fonte se tornara límpida com o decorrer de todos os anos. Assustado o varandim pregava-lhe partidas com a sombra ameaçando o compassar do relógio guiado através da lua. Coloquei a jarra em cima da mesa. À noite, quando estou sozinha, as borboletas desaparecem. Só de manhã o mercado, bem cedinho, acorda as vendedeiras de flores. Pego nas latas de tinta e desaparecem. A roupagem, transparente. Perguntei à mais nova das raparigas se aqueles lírios eram puros e sem qualquer gesto, no triunfo pueril de uma virgem murmurou que sim. Peguei em dois atirei-os para a jarra de vidro verdadeiro e falso no cristal e comparei-os à ebriedade das laranjas felizes por nunca darem fruto e vangloriarem-se de flores brancas. O frio a cortar nas entranhas do choupal arrastava-me a casa. Nem o vinho se tornara maduro mesmo passando correntes de tempo para o fortalecer. E dei de caras com o rapaz da porta. Porte robusto, de moço jovem, um aventalinho verde a cingir-lhe a anca. Nunca saíra dali, detrás da montra, nem para ver o pomar, nem o varandim, nem a fonte, nem a mesa onde coloquei a jarra, nem as latas de tinta a colorirem a pureza feminina que me vendera os lírios.

julho 07, 2006

Iara e Maria


Seus olhos bem abertos
Questionam na inocência do mundo
Eu digo:não há maior felicidade
Suas mãos estendem-se para as segurar ao colo
Eu digo:não há maior sorriso
Eu digo:não há maior ternura
Eu digo:não existem palavras
Eu digo:obrigado por entrarem na minha vida
Haverá algo maior que o momento-glória de vos ver de olhos abertos enroladinhas e de cabelo encaracoladinho no nosso primeiro encontro???
Hoje já tão crescidas recordo essa felicidade que continua e agradeço:

Obrigada Mamã Sil por este presente único!!!